29.5.05
xiv. às vezes, as estórias com monstros são ao contrário. por exemplo, se a vontade que nos habita for grande, conseguimos subjugar os anjos e obrigá-los a uma dieta de fome. pois, enquanto os anjos estiverem sob essa dieta, é possível guardarmo-nos na embriaguês de sombras em que nos desejamos amortalhados.
elysian fields, “drunk on dark sublime”, in dreams that breathe your name, 2004.
22.5.05
xiii. os anjos maus não são criaturas justas. é por isso que nos comem os sonhos e, depois, para consumar a perseguição, nos beijam com a sua amarga e alada exaltação, sem nunca, antes do abandono, nos dizerem adeus.
rufus wainwirght, “evil angel”, in poses, 2001.
15.5.05
xii. os monstros são criaturas capazes de metamorfose. vestem-se com formas de animais para se disfarçarem de si e assustarem quem enganam. alguns dos monstros ensaiaram tanto esse disfarce que habituaram-se a ser lobos, mas não peça de alcateia. às vezes, é mesmo possível encontrar um lobo à porta. porque, como qualquer vulgar lobo mau, quer entrar. primeiro no lar. depois em quem aí reside.
radiohead, “a wolf at the door”, in hail to the thief, 2003.
8.5.05
xi. somos o lugar e o domicílio de todas as solidões. o que significa que a solidão é um modo de companhia. porém não é apenas um modo de companhia. a solidão é também o gesto pelo qual alguém é habitado excessivamente por si mesmo, produzindo, como um rasgo, uma sensação de destaque em relação aos cercos, imediatos ou afastados. é por isso que a solidão é um dos monstros mais íntimos de nós.
sonic youth, “nyc ghosts & flowers”, in nyc ghosts & flowers, 2000.
1.5.05
x. se os monstros fossem criaturas monstruosas não se alojariam nos nossos pesadelos e espantos. também não haveria canções sobre eles. mas há. porque, por serem nossos amigos, nós cantamos os monstros.
danny elfman, “oogie boogie’s song”, in the nightmare before christmas (ost), 1993.
2005/2022 - constantino corbain (alguém por © sérgio faria).