11.12.16
cccxlvi. a morte define. o paraíso nunca é agora.
the limiñanas, “paradise now”, in malamore, because music, 2016.
16.10.16
cccxlii. aqui, posto terra, o paraíso?, é a distância aos outros, todos, a distância que se lhes pode guardar. porquê? motivo primitivo, portanto definitivo, as maçãs ainda estão verdes neste horto a que, por canções e orações enganadas, há quem chame jardim das delícias.
self defense family, “heaven is earth”, in heaven is earth, deathwish, inc., 2015.
2.10.16
cccxli. habita-se a terra, chão de todos os monstros - de condição humana ou homúncula -, habita-se a terra sempre, antes, durante, depois do corpo. do pó ao corpo, do corpo ao pó, através do barro. o pó é o que faz a eternidade, o fio da demora que regressa. o pó é o que nos faz, apesar da duração incerta de cada qual contra tal demora.
wand, “planet golem”, in golem, in the red recordings, 2015.
7.8.16
cccxxxvii. o monstro é os monstros, o mesmo em variado. os monstros são o monstro, o variado em mesmo. muitos deles distinguem-se por serem nomeados, o que significa que o nome é o que lhes concede e afirma a existência. recenseado por job, o maior dos monstros de água chama-se leviatã.
girls in hawaii, “leviathan”, in refuge, 62tv records, 2014.
24.7.16
cccxxxvi. o que nomeia a palavra «zombie»?, o mistério que a humanidade tenta admitir e encontrar, mistério de si, aquém e além de quando as mortes. a locomoção trôpega é consequência disso, a prova consumada e testemunhada de tal mistério, não é o prenúncio da ressaca por vir, da ressaca que vem.
frank zappa, “the walking zombie music”, in finer moments, zappa records, 2012.
29.5.16
cccxxxii. ser zombie, o morrer infinito além do instante das mortes, portanto a vida além das mortes. o mundo em que a vida se repete assim, através das mortes e além delas, é um mundo em que a liberdade se repete também e ainda, isenta da necessidade da ressurreição ou de que alguém seja ressuscitado para redimir o mundo de si.
gypsy and the cat, “zombie world”, in the late blue, alsatian music, 2012.
15.5.16
cccxxxi. o que solta alguém?, a prioridade do alvoroço sobre o conforto, contra o conforto, se e quando necessário. porque a libertação é pela sedição ou não é.
flying lotus, “riot”, in los angeles, warp, 2008.
20.3.16
cccxxvii. habitar uma casa é habitar o alvoroço que ela, consumada paredes, chão, telhado e outros, convida ou permite. os motins domésticos acontecem aí, por aí, repetem-se.
mark lanegan band, “riot in my house”, in blues funeral, 4ad, 2012.
6.3.16
cccxxvi. a aproximação à estranheza, a saudação à mesma ou a mutação por causa dela acontecem por mais do que o pêlo. quem não quer ser lobo não lhe veste a pele, aponta o adágio. porém, enquanto andamento vital, qualquer scherzo exige o avesso disso. não é por acaso que a licantropia é um caso de humanidade.
patrick watson, “good morning mr. wolf”, in love songs for robots, secret city records, 2015.
ano xii
10.1.16
cccxxii. segredo de depois de nascer-se - pode crescer-se -, às vezes cresce-se para a devastação, promessa de alcateia. uma matéria frágil, por adopção e tutela maternal, torna-se livre e indómita, mais do que cão, além do cinismo, carne e alma feras.
marianne faithfull, “mother wolf”, in give my love to london, dramatico - naïve, 2014.
27.12.15
cccxxi. ter o rei na barriga é o mesmo que ter a avó do capuchinho vermelho, formas da humanidade que acontece quando e como desaparece. que é quase o mesmo que, pelo fluxo da consciência - catarse bruta -, estar na barriga da besta.
gazelle twin, “belly of the beast”, in unfleshimps, anti-ghost moon ray, 2014.
1.11.15
cccxvii. ver uma besta não é vê-la de soslaio, é encará-la, dado que qualquer besta só pode ser vista face ao face ou, às vezes, tantas, ao espelho.
the revival hour, “i’ve eyed the beast”, in scorpio little beast, antiphon, 2013.
18.10.15
cccxvi. qualquer demónio é o cliché exposto de uma culpa mal resolvida, portanto nada ou pouco assumida, que desassossega na proporção directa do défice de personalidade provocado por tal nenhuma ou escassa assunção de culpa.
pocahaunted, “demon”, in gold miner's daughters, excite bike tapes, 2009.
23.8.15
cccxii. os demónios surgem e instalam-se pela revelação - não os há embuçados ou discretos -, não surgem pela descrição ou pela sugestão, pelo que uma e outra de tais operações são capazes de acordar com o que pode ser admitido. é isso, o facto de eles entrarem pelos olhos, que os realiza e autentica íntima e brutamente.
le butcherettes, “demon stuck in your eye”, in cry is for the flies, ipecac recordings, 2014.
9.8.15
cccxi. o mal que chega ao corpo, que é convocado para o realizar através do modo, concretizando a mesma vontade que o ocupa e solta na culpa, é o mal limpo, sem precariedade, o mal que, com e por propriedade, permite a alguém ser mau e - o poder das redundâncias empurra-as para uma confirmação pelo excesso - continuar simultaneament a ser quem é.
pop. 1280, “riding shotgun”, in imps of perversion, sacred bones records, 2013.
14.6.15
cccvii. de mal a mau, pela consumação daquele neste - porque o mau é o mal em corpo e por hábito -, há menos do que uma alma de distância. a repetição faz a rotina, também a residência, independentemente da hospitalidade da carne ao mal. em corpo, por hábito, o mal confirma-se. confirma-se como é, mau, hábito, hábito mau.
foals, “bad habit”, in holy fire, transgressive records, 2013.
31.5.15
cccvi. a banalidade, também a do mal, intima mais do que intimida. daí que ninguém - mortal ou imortal -, nada - estância ou instância -, possa livrar quem quer que seja do mal. além de que, un pour tous, chacun pour soi, não é incontroverso que haja necessidade, seja ontológica, seja metafísica, disso.
man without country, “deliver us from evil”, in maximum entropy, lost balloon recordings, 2015.
5.4.15
cccii. o mal não é consequência da desistência ou derivado do recuo, o mal não decorre de qualquer movimento. o mal é o produto da presença, do modo da presença, portanto do estado que resulta de alguém estar e apresentar-se a si, perante si, os outros, o mundo. floresce assim. é autêntico e absoluto assim.
dum dum girls, “evil blooms”, in too true, sub pop, 2014.
22.3.15
ccci. a forma do sangue é nenhuma, o que, com ou sem derrame, permite uma espécie de transcendência. nas formas e metamorfoses que admite e possibilita, o sangue é o prolongamento das possibilidades e das oportunidades: a separação antes da fusão, a fusão como superação, anulação, por apropriação e assimilação, da separação, o mesmo sangue diferente e combinado na diferença mais do que o sangue único.
the dead science, “blood tuning”, in frost giant, absolutely kosher records, 2006.
8.3.15
ccc. motivo de princípio e de fim, o sangue proporciona tanto possibilidades quanto, além delas, oportunidades. de entre estas, destaque-se o litígio primordial entre os sangues e as relações que se estabelecem com eles. se há quem aspire apenas ao sangue próprio, há quem aspire também ao sangue alheio. parte significativa daquilo a que se convencionou chamar sociedade estriba-se sobre este (des)encontro.
dirty pretty things, “blood thirty bastards”, in waterloo to anywhere, vertigo records, 2006.
ano xi
25.1.15
ccxcvii. a carne e o sangue implicam-se em cru e mútuo, numa implicação que não depende de contrato. descobrir o sangue que há na carne, purgá-lo através de rasgo na matéria que o conduz, é uma das hipóteses da vitalidade, uma das modalidades de conquista. importa clarificar. conquista não pela ocupação, que exige presença, mas pelo domínio, que permite sujeitar e drenar o que é alheio, para, depois, o aceitar e assumir como próprio.
editors, “eat raw meat = blood drool”, in in this light and on this evening, kitchenware records, 2009.
11.1.15
ccxcvi. a culpa de ser quem se é, a culpa de ser-se, reflexo e choque existencial, prevalece na carne? ou no sangue?
highs, “cannibal coast”, in highs, indica records, 2014.
16.11.14
ccxcii. na presença, a carne. na ausência, a mesma carne, porém devolvida a vontade outra e como carne única, semelhante ao abismo que, para saciar-se e fazer-se inteiro - força dos desejo e desespero canibais -, se preenche com outro abismo sem repetir-se.
silversun pickups, “cannibal”, in the singles collection, dangerbird records, 2014.
2.11.14
in memoriam zibu
ccxci. o dia das bruxas é um dia nosso, de todos nós, noite e véspera ainda do dia de todos os santos, desdobramento do mesmo - o mesmo bem, o mesmo mal - num tempo comum. decorre daí a oportunidade de regresso, sempre o regresso, a duplicidade balançada que alguém pode, como se fosse a regra primeira da condição pela qual a hipótese da tragédia se consuma.
a hawk and a hacksaw, “witch’s theme”, in you have already gone to the other world, l.m. dupli-cation, 2013.
7.9.14
cclxxxvii. mais do que perfeitas e permanentes, capazes de nome próprio e sem disputa, as horas certas cedem e rodam - não é necessário serem mais do que são para ser assim -, como se fossem um compromisso combinado com a traição e a metamorfose, o estado revelado através do processo e da representação contra si.
mother/father, “the hours witch”, in physical heaven, radical notion, 2010.
24.8.14
cclxxxvi. se alguém é apenas quem é, o diabo é menos do que pode ser. no entanto ninguém é apenas quem é. há muita vida além dos espelhos, há muita gente acordada fora de si.
in death it ends, “the devil”, in occvlt machine, aufnahme + wiedergabe, 2013.
20.4.14
cclxxvii. os anjos não existem, porém estão aí, prova entre a ressurreição e a morte - a ordem exacta destes processos -, estão aí como entidade descida à culpa, acolhidos no modo como acolhem e acodem quem acredita na absolvição. o que nunca virá a tal quem, pois é através do que, podendo vir, não vem que os anjos podem existir e existem, em contradição.
massive attack, “angel”, in mezzanine, circa records, 1998.
6.4.14
cclxxvi. a arte e o ofício de qualquer fantasma constatam-se no modo como ele se cicatriza osso e faz carne, para, crescendo, ser espectro.
death & vanilla, “ghosts in the machine”, in death & vanilla, hands in the dark, 2010.
9.3.14
cclxxiv. este não é o meu corpo, pode afirmar-se de qualquer fantasma que está, porque, ao estarem - é próprio dos fantasmas determinarem-se e colocarem-se como estância -, os fantasmas são carne de ninguém, porém substância, portanto sombra, do encontro que cada qual é consigo.
dead in june, “our ghosts gather”, in peaceful snow/lounge corps, new european recordings, 2010.
ano x
9.2.14
cclxxii. ser é estar, estar com disposição, portanto com posição que se destaca de si, o que significa que ser é estar também além, predicado que se acrescenta por via de projecto e de reflexo, reflexo que, como resíduo de projecto, reconduz o efeito de projecção à posição original. é isto, processo que compreende lance e devolução, que permite o nascimento ou o levantamento de fantasmas.
shapes have fangs, “ghost in the mirror”, in dinner in the dark, the reverberation appreciation society, 2011.
26.1.14
cclxxi. na identidade, qualquer monstro é simultaneamente a sombra do gesto através do qual se mostra e demonstra e esse gesto.
how to destroy angels, “the sleep of reason produces monsters”, in an omen, columbia records, 2012.
1.12.13
cclxvii.* os monstros são a repetição de algo que transcende a humanidade, a gravidade própria através da qual o que é humano, demasiado humano, é simultaneamente produzido e devolvido sob outra forma, portanto revelado, à humanidade.
circus devils, “let us walk with monsters”, in when machines attack, happy jack rock, 2013.
__________
* edição primeira para o programa radiofónico a caravana não passará.
20.10.13
cclxv. simples, compulsão. nada na manga, nada no colarinho. parece o tempo antes da re-forma. qualquer pessoa é a vítima perfeita, agora não há classes, como a quarta, tão pouco há dimensões, como a quinta. os corpos continuam colonizados pelo sangue, fresco e quente. pelo que há apenas duas hipóteses, o sangue na guelra ou, nova geração, o sangue aspirado.
john cale, “vampire cafe”, in shifty adventures in nookie wood, double six, 2012.
6.10.13
in memoriam pedro daniel lopes
cclxiv. o princípio, o fim, a continuação. nunca somos depois ou além da amizade, somos sobejos.
dimmu borgir, “the maelstrom mephisto”, in puritanical euphoric misanthropia, nuclear blast, 2001.
8.9.13
cclxi. o que quer que sejamos ou possamos ser, qualquer um de nós reencontra-se no écran, face a face consigo, dobrado mais do que desdobrado. a pantalha doméstica consome-nos e consuma-nos. se por projecção, se por retroprojecção, se por ausência, é a dúvida que nos habita como a habitamos. a mão que perdeu a foice, a mão que perdeu o martelo, a mão que perdeu a mão, essa mão alcança agora o controlo remoto, a consola de quem não tem ou já não tem a condição de não saber como as pessoas e as coisas eram, o mundo foi.
arcade fire, “(antichrist television blues)”, in neon bible, merge records, 2007.
26.5.13
ccxlix. encontrar lugar significa muitas vezes regressar. acredita-se no casulo. depois dos anjos, dos génios, dos fantasmas, as fadas, a luz da véspera repetida na fatalidade que as equivale e confirma, decifrando a pantomima existencial que continuam. além de cada qual persiste mais algo, função derivada da amizade, como se fosse alguém que lhe respeita.
pop dell’arte, “we believe in fairies”, in contra mundum, presente, 2010.
28.4.13
ccxlv. les uns et les autres, uma questão de narrativa. todos os fantasmas são iguais na diferença que têm e ainda assim são fantasmas.
apache dropout, “ghost stories”, in bubblegum graveyard, trouble in mind, 2012.
14.4.13
ccxliii. os fantasmas são sempre fantasmas de alguém, inclusive quando são uns para outros. eles crescem melhor assim, com paradeiro próprio e como engano alheio que não se conhece ou reconhece engano mas que, não obstante, é engano, não é fantasma disso.
hank williams iii, “ghost to a ghost”, in ghost to a ghost/gutter town, hank 3 records, 2011.
24.3.13
ccxl. ainda a morte, ainda a vida além dela, a gémea e o género do mesmo ser que, aparentando negar-se, permanece e, pela permanência, supera-se. por assim ser, o zombie é alguém que sobra de si na plenitude tanto da sua suficiência quanto da sua extinção e desse modo existe, portanto subsiste.
elvis perkins, “stay zombie stay”, in the doomsdays, xl recordings, 2009.
3.3.13
ccxxxvii. que a morte é um excesso da vida, que a vida é uma teimosia da morte. na dúvida sobre alguém, se ainda morto, se já vivo, que se continue a admitir a contaminação recíproca e simultânea da vida e da morte e que o esqueleto continue a ser prova suficiente de ambas.
surf city, “zombies”, in kudus, fire records, 2010.
ano ix
13.1.13
ccxxxii. metamorfose, o resgate propício da dívida de quem é. no corpo é a hipótese inteira, na pele é a promessa, no pêlo é a revelação. ser lobo não é apenas assunto de coração.
fiona apple, “werewolf”, in the idler wheel is wiser than the driver of the screw and whipping cords will serve you more than ropes will ever do, epic records, 2012.
2.12.12
ccxxvii. anjos em apneia, voo lento, circular, em torno da luz. uma paisagem reconhecida. o que somos, pela abstinência em e por que somos, altera-nos sempre, mesmo no processo da confirmação. parecemos insectos antes de sermos ícaros e nos aproximarmos da condição caída.
danger mouse & sparklehorse, “angel’s harp”, in dark night of the soul, parlophone, 2010.
11.11.12
ccxxv. há nos combates domésticos de todos os dias uma força com que se constrói o que está ausente. são assim também os anjos, pela força que os faz, no sentido em que é próprio da ausência deles - o engano com que são conseguidos - apresentarem-se como não estando ausentes, inclusive quando se renuncia a eles.
crocodiles, “refuse angels”, in summer of hate, fat possum records, 2009.
21.10.12
ccxxii. pratica-se a arte da sabotagem, a guilhotina, quando necessário, em cadência demorada, de modo a servir mais o prestígio do que a severidade. os anjos pretendem-se partidos e caídos, as nossas asas.
grand duchy, “break the angels”, in petit fours, cooking vinyl, 2009.
19.8.12
ccxv. os monstros têm paradeiro exacto, são-nos como os somos, contra o espectro que simultaneamente nos salva e carrega à esperança, à culpa, à presença.
tim booth, “monsters”, in love life, monkey god records, 2011.
4.3.12
ano viii
29.1.12
cc. as rodas do fundo, as rondas aí, nove, sete, sem desconto. no inferno o zodíaco não faz efeito, os comboios também não vão para lá. a ligação possível a ele não é directa, é íntima, portanto de compreensão mútua. ele está dentro de nós do mesmo modo que nós estamos dentro dele.
procedure club, “seventh circle of hell”, in doomed forever, slumberland records, 2010.
18.12.11
cxcvii. para quem é o inferno?, para todos, incluindo aqueles que também o são, os outros, encontrados com tal destino por serem proprietários dele.
josephine foster, “hell’s bells are ringing”, in little life, 2001.
11.9.11
cxc. alguém afirmou que o trabalho faz-me falta. não se percebe o sentido implícito na afirmação. alguém afirmou que o trabalho faz-me falta por não considerar trabalho o que faço? ou por considerar nenhum ou pouco o trabalho que faço? seja como for, a repreensão tentada é palerma e nela ressoa com suficiência o cinismo de insígnias infames, como arbeit macht frei. o trabalho não me faz falta como a alguém falta pagar o que deve. o meu trabalho é descobrir monstros, inclusive os meus. pelo que, se alguém - olha, quem mete super sem estricnina revelou-se - sente necessidade e é capaz de afirmar que o trabalho faz-me falta, suspeito que estou a conseguir fazer também e bem o meu trabalho.
conan o’brien, “and they call me mad?”, in and they call me mad?, third man records, 2010.
19.6.11
clxxxiv. não é confissão, é constatação. às vezes há monstros à solta, a rua é a circunstância deles e eles caminham ao lados dos circunstantes, sejam manifestantes ou não. caminham, lutam com eles, também contra eles, eles disparam. o equilíbrio é o sacrifício. isto não é lamento, é reportagem do que acontece.
tom waits, “king kong”, in orphans: brawlers, bawlers & bastards, anti-, 2006.
8.5.11
clxxxi. os monstros estão no meio de nós, percebemos, quando cada um de nós se conhece e reconhece sem a face de disfarce, a condição pela qual tentamos evitar o choque com o reflexo do que somos.
einstürzende neubauten, “godzilla in mitte”, in berlin babylon, reihe ego, 2001.
17.4.11
clxxx. a afeição é o produto de um exercício de casting em que participam traficantes emocionais. trata-se de um combate orientado mais pelo e para o corpo do que pelo e para o espírito, combate de corrupção fácil e monstro certo. elas e eles, mortais, são assim, apartamento e movimento, ligação e golpe, dobra e catarse, sofrimento sempre, como estranheza que se entranha e constitui íntima no intervalo dos pares e dos ímpares. não há salvação. que se preservem os amigos.
adam green, “goblin”, in minor love, rough trade records, 2010.
10.4.11
clxxix. o que caracteriza a monstruosidade é a raridade. o que significa que, como cada um de nós, qualquer monstro tende à solidão, condição de não ser comum, sendo por si.
kid congo & the pink monkey birds, “rare as the yeti”, in dracula boots, in the red recordings, 2009.
3.4.11
clxxviii. o festim, a fronteira, o fígado. a tragédia é permanente, o tempo parado que existia continua a existir. a humanidade está falida, falida no corpo, o sofrimento e o desespero correspondentes persistem. não há motivo para a ausência. as férias dos monstros acontecem apenas em sonhos.
kira kira, “gremlin holiday”, in our map to the monster olympics, smekkleysa sm, 2008.
20.3.11
clxxvii. a margem da extinção, o corpo por e em si mesmo, prolongado sem reincarnação, nouvelle vague para o pior. o estado de morto-vivo é como uma hipoteca, hipoteca que é executada na presença de quem estiver vivo, porque é a vida que desperta qualquer zombie do torpor a que a morte o entregou e assistiu.
the magnetic fields, “zombie boy”, in distortion, nonesuch records, 2008.
6.3.11
clxxvi. através do assombro da morte chega o que a ela sucede, a devastação, em alguns casos, a ressurreição, quase nunca, a profanação, talvez. e depois há também a hipótese do cadáver adiado, da violência que dispensa orações e exéquias, a humanidade nos escombros da própria humanidade, cadáver ambulante, corpo morto que não está para a terra ou para o luto, que irrompe de si contra a iminência da morte que já aconteceu, para a continuar, não para a suprimir. o terror, o terror. somos tão assim.
partyline, “zombie terrorist”, in zombie terrorist, retard disco, 2006.
ano vii
20.2.11
clxxv. qualquer zombie é o mistério da relação entre a identidade e a morte, do modo como uma e outra se implicam mútua e reciprocamente. a possibilidade de ser depois da morte é excêntrica, dizem uns, é interdita, dizem outros, é impossível, dizem os restantes, alguns dos quais como lamento. compreende-se. é difícil admitir um corpo ainda impregnado de vida depois da vida, com a comoção que qualquer corpo concede e consegue.
sufjan stevens, “they are night zombies!! they are neighbors!! they have come back from de dead!! ahhh!”, in illinois, asthmatic kitty, 2005.
6.2.11
clxxiv. pergunta-se se há vida depois da morte. mais do que o desejo de imortalidade, o mistério é a ânsia de sobrevivência, o corpo posto a extensão de si, como suporte acrescentado além da vida. às vezes a morte não é o sono que começa com o fim. também há insónias. se aí os monstros ainda são nossos amigos?, sim, são, continuam a ser.
slant 6, “inzombia”, in inzombia, dischord records, 1995.
9.1.11
clxxii. a vida é uma temporada hardcore, para hardcœur. os pássaros voam, os vampiros também. as regras de voo são simples, valem pelo destino. o sangue deve ser
john & jehn, “vampire”, in time for the devil, naïve records, 2010.
26.12.10
clxxi. descobrir o sangue nas trincheiras abertas na carne, esta é a missão a que os vampiros se entregam e para a qual nos convidam antes da saciedade, para com eles fazermos uma sociedade.
kasabian, “vlad the impaler”, in west ryder pauper lunatic asylum, rca / columbia records, 2009.
12.12.10
clxx. a lei dos sangues é também uma lei sobre o que os domicilia. entre ir e voltar, processos que implicam tempos distintos, não há reconciliação. da avidez do sangue não corre o remorso preventivo.
i monster, “lust for a vampyr”, in a dense swarm of ancient stars, twins of evil, 2009.
28.11.10
clxix. do sangue pergunta-se o quê?, não a invisibilidade, não o timbre escarlate. esta é a hora dos vampiros em sinal fechado, atenção ao trânsito e à promessa dos corpos.
les georges leningrad, “cocktail vampire”, in deux hot dogs moutarde chou, les records coco cognac, 2002.
14.11.10
clxviii. a morte corresponde à zona do romance, à oportunidade de viver outra vez, oportunidade que quase ninguém deseja desperdiçar. que fazer?, fazer como os vampiros fazem, manter o sangue frio, demorá-lo, tornar a crescer, sobreviver. sobreviver a alguém.
the go-betweens, “spirit of a vampyre”, in tallulah, beggars banquet records, 1987.
31.10.10
clxvii. diz-se, que o fundamento do mal é o sentido, o que lhe permite ser seminal e banal, sem filtro, deriva, torrente, não ponta solta ou acaso. na prática, o fundamento do mal acompanha-nos.
liars, “scarecrows on a killer slant”, in sisterworld, mute records, 2010.
17.10.10
clxvi. ser mau não corresponde apenas à seriedade de quem exerce o mal. para além de o mal poder ser exercido em regime circunstancial - portanto por quem não é mau -, ser mau é também a condição de quem, por omissão ou acção, transfere a culpa que tem para alguém inocente.
big sexy noise, “bad for bobby”, in big sexy noise, sartorial records, 2009.
3.10.10
clxv. no mano a mana, ele a ela, o mal começa por surgir como promessa da ofensa. para ele o futuro será a fazer doer, porque é e quer continuar a ser mau. se será é que não se sabe. será se ela deixar?, será independentemente do que ela consentir?, esta é a dúvida.
girls, “big bad mean motherfucker”, in album, true panther sounds, 2009.
19.9.10
clxiv. o cerco, primeiro, o alvo, depois, definem o alcance do mal. há quem tente afastar-se dele mas em muitas circunstâncias o que faz é aproximar-se, conceder-lhe o corpo após o espírito, dar-lhe a extensão e o território que ele não tinha. o mal que alcança não é o mal que coloniza, é o mal que cresce onde reside.
twisted wheel, “bad candy”, in twisted wheel, columbia records, 2009.
5.9.10
clxiii. uma regra única e vital, o mal, necessariamente o mal, sempre o mal, em acto, o mal concreto, não o mal banal, não, o mal conforme o método, o método perfeito, o mal organizado, tão perfeito quão o bem.
the black angels, “science killer”, in directions to see a ghost, light in the attic records, 2008.
22.8.10
clxii. são tantas as perseguições, tantos os passos que passam para a invisibilidade do corpo que não há lugar onde esperar a confirmação da paixão, a perda própria, porque esse lugar é a carne de quem espera, justamente porque quem espera arrasta-se e projecta-se para aí. a manobra é ambígua?, é, é como o diabo. motivo mais do que suficiente para que ninguém renuncie à sua assinatura, ao seu sangue.
samuel úria, “o diabo”, in nem lhe tocava, florcaveira, 2009.
15.8.10
clxi. mais do que um anjo caído, o diabo é um anjo que ainda dança e faz dançar para a culpa.
danças ocultas, “o diabo tocador”, in tarab, numérica, 2009.
8.8.10
clx. se o diabo é o motivo de apelo, o apelo ó da guarda é vão, porque o diabo é um anjo que caiu e com a queda perdeu a função de guarda em favor da perdição, perdição que, como hipótese ou ensejo, inscreve-se no corpo. daí que do diabo não haja saída e para o corpo não exista contrição ou contradição.
wild beasts, “the devil’s crayon”, in limbo, panto, domino recording company, 2008.
25.7.10
clix. nada ou quase nada é justamente o que o diabo é ou pode ser, pelo que pode ser muito, do tamanho e da cor de deus, porém de modo mais diverso.
pj harvey, “the devil”, in white chalk, island records, 2007.
11.7.10
clviii. o que é o diabo?, esta é uma pergunta sobre identidade que dispensa o pronome interrogativo quem. o diabo é um modo de intimidade, portanto um espectro em alguém, como se fosse alguém, alguém em alguém sem ser quem, presente e manifesto entre a infância e a ciência, entre a inocência e a operação, a zona das tarefas imperfeitas. insistindo, o que é o diabo?, é o que em cada qual compõe e vigia o trajecto de escombros que antecede a salvação, salvação que não há ou que há tanto quanto há o diabo, porque a salvação é simultaneamente condição e efeito dele, ou seja, nada ou quase nada.
scout niblett, “lucy (lucifer)”, in the calcination of scout niblett, drag city, 2010.
27.6.10
clvii. o caso é mais metafísico do que ontológico. explora-se - mais do que se ensaia - o jogo do alívio, um jogo tanto de necessidade quanto de especulação, em que alguém - nunca falta quem - roga ao diabo que circule a culpa. o diabo nada faz que corresponda ao solicitado, as empreitadas dele não são para facilitar a vida. o erro e o mal têm um sujeito, sujeito que compreende e é compreendido por uma sociedade de que o diabo é apenas assistente, e assistente derivado, não é associado. o que é que ele poderia fazer?
diane cluck, “lucifer”, in monarcana, very friendly records, 2006.
13.6.10
clvi. direcção, sentido. a gramática do diabo prescinde do coração, necessita apenas de operações simples, de superfície e tempo, mesmo que o tempo seja pouco. é através destas operações que o diabo decreta o fim. a sentença diabólica preferida institui que os princípios acabaram. não é possível começar outra vez, este é o modo como a soberania do diabo é pronunciada.
murder by death, “the devil drives”, in in bocca al lupo, tent show records, 2006.
30.5.10
clv. do corpo promana a promessa da morte. inflamação ou libido, o mesmo sobressalto levanta-o. de um modo ou de outro a febre é a liturgia da paixão. e se não somos rebeldes?, se somos sobretudo animais? deus fez-nos à semelhança dele para quê? que culpa podemos atribuir às mães e a quantas delas sucederam?
the metros, “sexual riot”, in more money less grief, 1965 records, 2008.
16.5.10
cliv. a disciplina é o resultado de um combate. a revolta também. no jogo da oscilação em que cada pessoa se projecta, a volta outra vez é algo a que não é possível dizer não. dizer-lhe não seria renunciar à hipótese de continuar, seria admitir a morte como solução antes do confronto com o padrão.
the though alliance, “first class riot”, in a new chance, sincerely yours/ summer lovers unlimited, 2007.
2.5.10
cliii. a sedição é o que faz cada um de nós ser e crescer tanto para a identidade quanto para a autoridade. porquê?, porque em cada um de nós é desde logo a intimidade e fermenta assim, como insurreição, o avesso da intimação.
arctic monkeys, “riot van”, in whatever people say i am, that’s what i’m not, domino recording company, 2006.
18.4.10
clii. a pergunta - que motivo? - é mais vital do que política. a resposta - o motim - é ontológica, assalta e constitui o fundamento. começa assim a perturbação, a identidade. continuamos a ser o que somos, sendo cada um perseguido por si e quem é. eu, tu, ele, eles, nós, a equação do desassossego é através de todas as pessoas possíveis. viver é também aprender isto, a revolta a renascer e a remanescer, sem fim, justamente porque somos quem somos, justamente porque cada um é quem é.
the sounds, “riot”, in living in america, new line records, 2003.
4.4.10
cli. a identidade faz cada um a agitação e o exorcista de si. a sublevação é uma condição interior, de corpo, que vem do fundo e do contraste, que não migra, que não se transfere ou expulsa, que, no limite, não se domina.
thea gilmore, “my own private riot”, in the lipstick conspiracies, naim audio, 2000.
21.3.10
cl. a paisagem é ardente, o incêndio das culpas e das falhas, junto também as labaredas de todas as inocências. na verdade é um verão como outro qualquer, do nosso contentamento ou do nosso descontentamento - sem escolha -, as mesmas almas, os mesmos corpos, as mesmas almas e os mesmos corpos aí. apenas o lugar e o combustível são diferentes, não necessariamente estranhos, chamam-se alienação e nós somos também aí, conseguimos ser também aí. o inferno é o nosso recreio, não é o nosso cárcere. o que arde?, nós, somos nós que ardemos, porque o que é quem.
grooms, “acid king of hell (guitar feelings)”, in rejoicer, death by audio records, 2009.
7.3.10
cxlix. o inferno é uma promessa infantil e juvenil, o temor proposto como morada. depois crescemos e o inferno permanece o lugar que ansiamos e rejeitamos, gerindo nós como podemos a ânsia e a rejeição, num acordo entre proximidade e distância que não é possível resolver porque, por sermos por condição irrenunciável, somos justamente o alvará do lugar em que ardemos, carne e espírito, e somos simultaneamente esse lugar e nesse lugar.
tegan and sara, “hell”, in sainthood, sire records, 2009.
ano vi
21.2.10
cxlviii. pretendia-se uma fórmula que proporcionasse a solução, paraíso ou inferno, porém, assim proposta, a solução é apenas um problema, porque a hipótese do resgate é já uma implicação do problema. para além disto não há palavra para estancar o caso, sem consequências. o combate é permanente, os anjos e os demónios espreitam e disputam sempre e sem tréguas. qual será o resultado?, ninguém sabe. a fórmula é perfeita e o problema, porque a fórmula é o problema, também. nenhuma salvação.
the heart black procession, “heaven and hell”, in six, temporary residence limited, 2009.
14.2.10
cxlvii. porquê afastar os indesejados e remetê-los para o inferno?, porquê não condená-los à comodidade do paraíso? encerrá-los na inocência do tédio é mais fatal do que entregá-los ao fogo. o tédio liga lentamente à culpa, entranhando-a de um modo do qual não há remissão. a crueldade deve servir-se assim, com demora.
menomena, “rotten hell”, in friend and foe, barsuk records, 2007.
7.2.10
cxlvi. para além das manobras de diversão e perdição, a vida é consumada também por manobras de salvação. porém, se todo o expediente com este sentido conduz ao fim, fazer o quê?, apelar a quem?, com que orações? os monstros não têm e não são o inferno. daí que para viver bem, em consonância consigo, cada qual precise apenas de aprender a perder. tudo.
the bastard fairies, “we’re all going to hell”, in memento mori, bastard fairy records, 2007.
24.1.10
cxlv. todos os monstros começam por onde crescem, pela fome, e são pelo destino, a carne, porque desde a nascença são para a perseguição pela devolução, o motivo maior da identidade deles.
mão morta, “fado canibal”, in corações felpudos, fungui, 1990.
10.1.10
cxliv. por ser uma relação de devolução, a amizade com os monstros é necessariamente pela carne. a sua consumação acontece através de um de dois modos, a constatação - o modo próprio - ou a imaginação - o modo impróprio. o primeiro é o modo da fome - portanto imediato -, o segundo é o modo da saciedade - portanto diferido -, porém tanto um quanto outro correspondem ao método canibal, método único para ser, não para ser-se ou parecer.
gang gang dance, “nomad for love (cannibal)”, in god’s money, the social registry, 2005.
27.12.09
cxliii. é da tensão entre a curiosidade e a repulsa que é feita a sociedade com os monstros. pelo que a sociedade com os monstros não é necessariamente uma sociedade de mesa, pode ser apenas inveja de carne, um modo manuseado de sobrevivência, de alcançar e comer.
nick cave & warren ellis, “the cannibals”, in the road (ost), mute records, 2009.
13.12.09
cxlii. a hipótese canibal começa por ser transgressão de limites, a identidade dobrada sobre a transcendência própria, não a metamorfose. mas isto não é suficiente. a concentração humana faz a fome e a ligação à fome torna-se interior, de espécie. é por isso que, no modo como habitamos a humanidade e definimos a dieta, podemos ser tanto dispostos quanto condenados à comensalidade.
dirty projectors, “cannibal resource”, in bitte orca, domino recording company, 2009.
29.11.09
cxli. a sustentação pelo corpo é quanto qualquer monstro necessita de cada um de nós. não é uma necessidade existencial, é uma necessidade canibal, de consequência e para consequência da alma, pela qual nunca chegamos a ser apenas e autenticamente quem somos.
throw me the statue, “cannibal rays”, in creaturesque, secretly canadian, 2009.
15.11.09
cxl. qualquer fantasma permanece estranho até ao momento do reconhecimento. o reconhecimento é o reflexo fatal, a identidade que se encontra consigo, devolução que implica uma presença desdobrada, duas entidades no mesmo corpo. que parte é mais falsa ou mais verdadeira?, não se sabe. o jogo da identidade é assim, de fusão. o espectro é a unidade de alguém e dos fantasmas que compõem a integridade desse alguém. em tais circunstâncias, não é um chapéu que faz ou há-de fazer a diferença.
the go-betweens, “the ghost and the black hat”, in liberty belle and the black diamond express, beggars banquet, 1986.
1.11.09
cxxxix. na geografia do assombro, os espíritos estão de um lado, os fantasmas estão de outro. o fosso que os separa é largo, maior do que o mundo, porém não é tão monumental que não possa ser medido. em rigor, a largura do fosso corresponde à distância entre o que é assento mortal e o que é manifestação onírica. como é óbvio, não é distância que mantenha os fantasmas além ou em contradição connosco.
guided by voices, “ghost of a different dream”, in under the bushes under the stars, matador records, 1996.
18.10.09
cxxxviii. fale-se de problemas. um problema não é ver espectros, a avulso ou a granel, é ver uma barca sem piloto ou tripulação, porque, se a barca aproximar-se, é possível discernir a face dos fantasmas que a conduzem. no entanto, se se percebe a face dos fantasmas navegantes, um reflexo de quem olha, sobra a dúvida: quem está de passagem?, quem fica na margem?
menomena, “ghostship”, in friend and foe, barsuk records, 2007.
4.10.09
cxxxvii. no princípio o fim é um horizonte para a decifração. se lenta, se precipitada, depende da velocidade de aproximação ao e do fim. decifrado, o fim torna-se continuação. é por isso que, como antes, agora e depois, os fantasmas pairam por toda a parte. não é uma questão de ubiquidade ou de felicidade, é uma questão de finalidade e de mesmidade.
andrew bird, “not a robot, but a ghost”, in noble beast, fat possum records, 2009.
ao programa ducentésimo.
20.9.09
cxxxvi. ver fantasmas é confrontar as figuras do medo que estimamos e intimamos. ver fantasmas - por serem reflexos espectrais ou pálidos - é um processo de devolução e guarda. provavelmente é até um processo de autenticidade e autocertificação.
bowerbirds, “ghost life”, in upper air, dead oceans, 2009.
6.9.09
cxxxv. compreendidos pelo que compreendemos e vice-versa, somos elipse da culpa, movimento ou gesto pelo qual a falta se dirige a si para ser-se, justamente por não ser possível veredicto diferente da culpa que começa ou acaba em cada um de nós.
antony and the johnsons, “shake that devil”, in another world, secretly canadian, 2008.
23.8.09
cxxxiv. o maior dos males não é o diabo, é o pormenor que, consentido por nós, somos através dele, porque ele nos é como o somos.
marnie stern, “the devil is in the details”, in this is it and i am it and you are it and so is that and he is it and she is it and it is it and that is that, kill rock stars, 2008.
16.8.09
cxxxiii. o corpo é a habitação e a habituação do diabo. ninguém espera ou pode esperar a faculdade de ser diferente de quem acolhe dentro de si, porque, ser assim, seria não ser.
portugal. the man, “the devil”, in the devil say i, i say air, fearless records, 2006.
2.8.09
cxxxii. como qualquer monstro, o diabo dança simultaneamente em máscara e em identidade. através dele, do que ele consente ou conquista, não há auspício ou salvação, há apenas consequência, a consequência que cada um de nós é, a consequência que somos e podemos ser em solidão ou comunhão.
the fiery furnaces, “cabaret of the seven devils”, in widow city, thrill jocky records, 2007.
19.7.09
cxxxi. qualquer um de nós está disposto tanto ao bem quanto ao mal e de modo igual. a graça acontece-nos com a mesma probabilidade com que nos acontece a desgraça, a virtude ou a corrupção, o amor ou o ciúme e o ressentimento, o amparo ou a queda, a dúvida ou a certeza. na vida que, quando é, é nossa, há margem para a intenção, a escolha, o erro e a morte, jogando em coordenadas semelhantes que são tanto das manhãs e das tardes quanto das noites. não é por acaso que, como qualquer monstro, o diabo nunca dorme sozinho. ele não dorme.
iron & wine, “the devil never sleeps”, in the sheperd’s dog, sub pop, 2007.
21.6.09
cxxix. a aspiração ao absoluto é a falha maior de quem pretende conhecer-se. a certeza de si é um modo de realizar e expressar um limite que, enquanto tal, ninguém alcança. resolvermo-nos na diferença, não na contingência ou no projecto, é o que tentamos por nunca termos a certeza de quem e do que somos. monstros talvez.
the national, “you’ve done it again, virginia”, in lit up, beggars banquet records, 2005.
7.6.09
cxxviii. diante deste enunciado, a minha terra é estrangeira, talvez demasiado, porque eu nela, acontece o confronto. podemos temer os monstros, mas, por e para cada um, não os podemos afastar, sem nos afastarmos de nós.
man man, “against the peruvian monster”, in the man in a blue turban with a face, ace fu records, 2004.
24.5.09
cxxvii. qualquer um de nós é meia espera e meia procura de si. daí que, feita parte demora e parte corrida, a vida não termine sem a hipótese de encontrar o monstro que, monstrum in fronte, monstrum in animo, aguarda por quem o procura, de modo a que, encontrando-se quem o procura, seja encontrado como destino, não como promessa.
pj harvey, “meet ze monsta”, in to bring you my love, island records, 1995.
17.5.09
cxxvi. a metamorfose emerge necessariamente da identidade. a transmutação é o contrato entre a identidade e a alteridade, enquanto esta a instalar-se naquela, processo portanto. da fusão de alguém consigo decorrem hipóteses várias, entre as quais a do monstro. como se outra parte estivesse à espera de apelo, de sinal, para sair do núcleo de humanidade que há em cada um de nós. como se a revelação da monstruosidade fosse uma consequência do apuramento da pureza de cada um de nós.
einstürzende neubauten, “feurio!”, in haus der lüge, freibank / some bizarre records, 1989.
3.5.09
cxxv. mal por mal, antes o ódio, a força do rancor capaz de arrancar corações e de magoar almas, do que a renúncia ao bem do tédio, a desistência pela continuação falida, a cedência ao espectro da normalidade. porque, mal por mal, os monstros são assistentes do que acontece e do que pode acontecer.
mão morta, “destilo ódio”, in corações felpudos, fungui, 1990.
19.4.09
cxxiv. o mal cresce nas modalidades violentas em que se constitui. uma de tais modalidades é a possessão por amor, o amor que, na ânsia do império e de merecer a submissão a si, convoca a intenção do sangue e paga os beijos a preço de ciúme. este é o mal da aliança, o mal íntimo e próximo, o primeiro, sem monstros à vista.
the stone roses, “bye bye badman”, in the stone roses, silvertone records, 1989.
5.4.09
cxxiii. a sensação de haver tempo para corrigir os erros, a sensação de haver sempre depois para ser melhor, é um dos sintomas perfeitos do mal. porque, mais do que pela compreensão dos monstros, é pela demora de si que alguém simultaneamente se transforma e se conforma consigo, de modo a consumar-se para o que é, a emancipação, a maldade.
the triffids, “when a man turns bad”, in born sandy devotional (remastered edition), mushroom records/domino recording company, 1986/2006.
22.3.09
cxxii. há quem creia que o mal chega depois, proveniente de fora, vindo dos monstros. ou seja, há quem creia que o corpo de cada um de nós é originalmente um poço do bem e que, através de um agente perverso, o mal infiltra-se como infecção na nossa carne, colonizando-a e interrompendo o seu programa benfazejo. como ilusão arrasta ilusão, quem crê assim crê também no exorcismo como dispositivo para a resolução do mal, por via da erradicação do agente maléfico. mas quem crê assim engana-se, claro está, porque, quaisquer que sejam, as orações são adorno e conforto da malícia da condição humana, não são motivo de redenção da sua banalidade ou da sua identidade.
brian eno & david byrne, “the jezebel spirit”, in my life in the bush of ghosts, sire records, 1981.
8.3.09
cxxi. o que faz alguém ser mau?, o aspecto e a maldade, não o espectro de qualquer monstro que eventualmente ronde tal alguém. e é assim independentemente de quem seja e o que faça quem partilha o sangue com esse mesmo alguém, irmão ou irmã. porque no mal não há irmandade ou sororidade, há motivo.
the beatles, “mean mr. mustard”, in abbey road, apple records, 1969.
3.3.09
ano v
22.2.09
cxix. voar tem como preço a queda, preço que se paga necessariamente em dor. ainda assim, é sempre a mesma ilusão, a ilusão de que alguém pode ser diferente de si - para salva-se da própria condição -, sendo quem não é, voando.
clinic, “the witch (made to measure)”, in do it!, domino recording company, 2008.
15.2.09
cxviii. não sabemos o que não sabemos. perante este facto, há duas hipóteses, ou ignoramos ou arriscamos. um modo disto é o apelo que fazemos ao outro lado, o negro. porque se estima que voam, presume-se que, por beneficiarem de perspectivas superiores, as bruxas sabem mais do que quem não sabe o que não sabe. o que significa que a presunção é o motivo delas.
el olio wolof, “red witch of my dreams”, in a tedious task, 2008.
1.2.09
cxvii. há só dois lados, costuma dizer-se, o direito e o avesso, o bem e o mal, não há vaga intermédia. admitida, esta asserção torna a geometria e a distribuição pelo espaço fáceis. mas de que lado estão os vultos e os corpos alados que extraímos de nós e imaginamos? estão no flanco nosso? ou estão no flanco alheio?, o dos monstros. a resposta falha justamente porque tais vultos e corpos alados são as sombras que, como irmãs negras, nos acompanham ou prenunciam. ao caçarmos essas sombras procuramos os espectros em que nos projectamos, disparamos sobre o nosso lado escuro, denunciamo-nos pelo escopo e pelo alvo, no arremesso e no acolhimento do impacto. isto não é feitiçaria, é estupidez.
iliketrains, “we go hunting”, in elegies to lessons learnt, beggars banquet, 2007.
18.1.09
cxvi. dos feitiços às feitiçarias vai a superstição, vai pela humanidade, não pela monstruosidade. bem, superstição? ou persuasão?, ninguém sabe, sabe-se apenas pelo que vai. que é também pelo que permanece.
thurston moore, “wondeful witches”, in trees outside the academy, ecstatic peace!, 2007.
4.1.09
cxv. antigamente cria-se que o bem distinguia-se e destacava-se do mal e que eram em tais distinção e destaque que os monstros jogavam a sua identidade. ia-se à bruxa por causa disto. dessas ocasiões vieram-nos os feitiços e as feitiçarias e tudo começou a ficar misturado, nós e os monstros, os monstros e nós. do que resultou que, para além de continuarmos a perder, passámos a ganhar o mesmo, porém em transe e a acreditar em vassouras voadoras.
flashguns, “good witch/bad witch”, in mad dogs and englishmen, 2007.
28.12.08
cxiv. enquanto confirmação do que é expectável e porque é o que é, a normalidade constitui-se tanto evidência quanto conformação. a necessidade de explicação surge quando a normalidade é perturbada - hipótese desconfortável - ou interrompida - hipótese drástica. sendo interrompida, a normalidade transforma-se em enigma. os roteiros cognitivos e morais tornam-se ineficazes. justamente por isto, porque não há explicação para a suspensão da normalidade, é suscitado um processo de averiguação das culpas. alguém tem que ser culpado. abre uma época venatória extraordinária, acendem-se fogueiras. batida aos outros é o nome de muitos episódios da nossa história.
bloc party, “hunting for witches”, in a weekend in the city, wichita recordings, 2007.
14.12.08
cxii. porque o desejo é um dispositivo de aspiração e ascensão, aquilo que é desejado é maior do que a condição de quem deseja. neste sentido desejar é mais do que esperar a constituição da diferença, é almejar a maioridade. pelo que, se o desejo orienta para a transformação própria, em muitas circunstâncias o corpo e o sangue de quem deseja não são suficientes para garantir aquilo que é desejado, o crescimento. nesta eventualidade, como os monstros, as bruxas ajudam ou assistem.
liars, “broken witch”, in they were wrong, so we drowned, mute records, 2004.
30.11.08
cxi. com sangue para perder somos parcelas da eternidade. portanto, não é o sangue frio que nos pode valer. pois do mesmo modo que, se fôssemos desprovidos de coração, não existiriam vampiros - porque é o batimento cardíaco nosso que lhes fornece as coordenadas e a calda cálida de que se nutrem -, se não existissem vampiros, não seríamos o vaso sacrificial que somos e não existiriam os tormentos que merecemos.
alex & the horribles, “batman dracula”, in horribles!!, 2008.
16.11.08
cx. o coração releva enquanto bombardeiro, vigor que difunde desde a artéria aorta até às veias cavas, não enquanto osso exposto a fractura eventual. mais, o coração constitui o fundamento de um cálice inteiro, do qual são derramados o princípio e o fim nossos, cálice que, porque a ele aspiram avidamente, inspira os vampiros e a sua vantagem, dita vantagem nossa também e a condição da nossa perdição.
giraffes? giraffes!, “when the catholic girls go camping, the nicotine vampires rule supreme”, in more skin with milk-mouth, loves in heat records, 2007.
2.11.08
cix. o sangue é permanente e sem vésperas. daí que ontem não seja tempo em que os vampiros possam ser conjugados. o remorso único que os vampiros sentem é o do sangue atrasado, por não servir-lhe a dieta.
margot and the nuclear so and so’s, “vampires in blue dresses”, in the dust of retreat, artemis records, 2006.
19.10.08
cviii. tudo começa no sangue, a identidade e o império, as perdas e os ganhos. no entanto afirmar que tudo acaba no sangue é errar, porque nenhum monstro erra no sangue. aliás, não é por acaso que errância e monstruosidade não são sinónimos de contaminação ou de hemodiálise.
antsy pants, “vampire”, in antsy pants, plan-it-x records, 2006.
5.10.08
cvii. a carne medeia o sangue, o sangue institui a diferença. o que significa que, tanto pela derrota quanto pelo triunfo, alguém tem que sangrar para ser quem é. nesta circunstância qualquer transfusão é a transferência de uma condição definida, a de quem perdeu ou a de quem ganhou, a uma carne que pode ser o seu avesso, não necessariamente a uma carne que lhe corresponda. uma história banal com vampiros, portanto.
arctic monkeys, “perhaps vampires is a bit strong but...”, in whatever people say i am, that’s what i’m not, domino recording, 2006.
21.9.08
cvi. imaginação?, talvez não seja. um sopro, prenúncio da aspiração, não do beijo. o esmalte sobre a pele, encostado, depois na carne, cravado. ao contacto apertado segue-se a sensação de alívio, esta é a sequência. e perdes, perdendo-te, no mesmo sangue, o teu, que serve-te tanto quanto serve os monstros que te proclamam.
xiu xiu, “brian the vampire”, in fabulous muscles, 5 rue chistine, 2004.
7.9.08
cv. a herança e a conquista trazem o sangue. confunde-se jogo com fogo. o incêndio serve alguém, como serve-lhe o sangue também.
arcade fire, “vampire/forest fire”, in arcade fire, merge records, 2003.
24.8.08
ciii. as histórias com vampiros servem um propósito sobretudo, avisar, pela convocação dos monstros, que, numa modalidade fatal, a vida, o sangue é o motivo e a oportunidade tanto da morte quanto da eternidade, não da medalha de prata.
bauhaus, “bela lugosi’s dead”, in bela lugosi’s dead, small wonder records, 1979.
10.8.08
cii. a solidão é a nossa dieta, porque alimentamo-nos do que somos, humanidade. é por isso que carne é o nome ditado a quem somos, o que faz de cada um de nós a oportunidade e o suborno da abstinência por quais, porque são monstros e não nós, os monstros não se corrompem.
wolf parade, “fine young cannibals”, in at mount zoomer, sub pop, 2008.
27.7.08
ci. um acidente e começa a operar o lado oculto que somos, a sobrevivência, sem necessidade de estímulo de monstros ou da assistência de orações. o canibalismo é uma questão de oportunidade.
alterkicks, “the cannibal hiking disaster”, in do everything i taught you, b-unique records, 2007.
13.7.08
c. corpo contra corpo, esta é a posição inicial. como nós e entre nós os canibais rondam a carne, a nossa carne, de onde, para si, extraem o ritmo e o sentido. a nossa alma e o nosso coração revelam-se órgãos amargos. à distância, os monstros limitam-se a observar o banquete, em estado contemplativo, como se, pelo que testemunham, estivessem a aprender melhor a ser o que são, aprendendo o que somos.
nick cave & the bad seeds, “cannibal’s hymn”, in abattoir blues, mute records, 2004.
29.6.08
xcix. diante da margem, o limite da nossa carne, que em autêntico constitui um precipício, são muitas as dúvidas. uma dessas dúvidas é sobre a fome dos monstros, até onde alcança. é por isso que, sob a culpa do figmentum malum que somos, perguntamos por que é que os monstros não comem outros monstros? os monstros não nos comem, esta é a resposta, por uma questão de condição - os monstros são nossos amigos - e por uma questão de dieta - os monstros não são antropófagos.
ministry, “cannibal song”, in the mind is a terrible thing to taste, sire records, 1989.
15.6.08
xcviii. embora comece como manifesto, o corpo cresce até ao limite da soberania, transmutando-se em dispositivo de ofensiva, que, se cede à sedução da revolta, solta-se para a sedição. o que significa que, embora comece manifestado, o corpo confirma-se como instrumento da violência que suporta e devolve e com a qual é fundada a comunidade. se sob tais condições ninguém vê os monstros, é porque a amizade não é de ver, é de como ver.
elliott smith, “riot coming”, in new moon, kill rock stars, 2007.
1.6.08
xcvii. abandono? ou saída?, ninguém sabe. também pode ser dissidência, não se sabe. os monstros são estranhos no modo como convocam a nossa evasão, porque, mais do que a fragmentação da unidade dos nossos corpos e os destroços que daí resultam, interessam-lhes a reunião da solidão consigo e o motim que tal reunião consegue e suscita em nós.
bright eyes, “no one would riot for less”, in cassadaga, saddle creek records, 2007.
25.5.08
xcvi. e quando o levantamento não basta - por não encher a carne com a agitação suficiente -, quando o corpo não alcança a comunidade feita na rua - porque na multidão os outros permanecem estranhos -, quando o arremesso de pedras e as crateras abertas no chão não são motivo comum - porque propiciam o acidente, não o encontro -, aumenta o chamamento dos monstros de dentro para o tumulto, a que os gestos correspondem, confirmando o incêndio na coreografia dos distúrbios.
jens lekman, “do you remember the riots?”, in when i said i wanted to be your dog, secretly canadian, 2004.
18.5.08
xcv. o fim é o nome de um dos monstros de passagem comuns. sob o seu efeito, tudo parece terminar como se não houvesse depois, como se, após a falência ou a separação dos amantes, as margens de um princípio novo e possível tivessem sido extintas. nesta sequência começa o purgatório, a memória da traição, o limbo da solidão, continua o fim. e, porque a culpa não se transmite por herança, aí o abandono dura até ao momento do resgate pela sedição. os monstros do princípio apelam à insurreição.
the national, “daughters of the soho riots”, in alligator, beggars banquet, 2005.
4.5.08
xciv. a sociedade é o teu monstro da guarda, sê-a também. segue a voz que te indica a revolta como solução. deixa de esconder-te na tua reserva mental, ergue o teu corpo em barricada, empresta-o à força da presença. vai, continua. a sociedade está dentro de ti tal como tu estás prenhe de rua. não adianta tentares fugir, para onde fores, dentro ou fora, levarás a sociedade contigo também. o que escondes é o que mostras.
elbow, “some riot”, in the seldom seen kid, geffen records, 2008.
20.4.08
xciii. no princípio é e está a distância, o nome geométrico do que permite a solidão. há um corpo armado e arrumado a si, quieto, sem devolução ou reparação. na sua quietude é também a alienação, como vaga que apela à insânia e ao que é e está por ela. há também monstros à espreita, que não são a solidão. eles aproximam-se e, celebrando-se no tumulto que convocam, sobressaltam o corpo, agitam-o, despertam-o para a perturbação. acordado, o corpo cede e é preenchido por uma vontade gregária, o motim. é para aí que, jogado, o corpo se projecta, manifesto e sede do seu levantamento.
stars, “take me to the riot”, in our bedroom after the war, arts & crafts, 2007.
6.4.08
xcii. o estado preferido dos monstros é a exaltação. é por isto que a adolescência é a idade em que, no corpo ou na rua, os monstros começam a manifestar-se, até constituírem-se definitivamente como o modo do distúrbio, consumado, se público, consumido, se íntimo. e assim crescem, agitados, para serem maiores e eternos.
sonic youth, “teen age riot”, in daydream nation, blast first, 1988.
23.3.08
xci. há uma lenda demiúrgica que atesta uma maçã como o princípio da nossa culpa. conta-se que, porque cápsula de demónio, tal maçã é a causa da faculdade de vermos para além da evidência e de andarmos vestidos. o folclore pode muito.
tapes ’n tapes, “demon apple”, in walk it off, xl recordings, 2008.
9.3.08
xc. tentar eliminar um demónio não resolve qualquer problema. antes de mais porque, para além de ser uma manobra potencialmente homicida ou suicida, configura uma ofensa ao contrato de amizade com os monstros. depois porque os demónios têm descendentes e, dentro ou fora de quem os tenta eliminar, são capazes de repetir-se e de constituir-se tanto na tentativa da sua eliminação quanto, antes, na convocação de tal tentativa. é que os demónios são em dois mundos, no deles e no nosso, que é deles também.
elf power, “the demon’s daughter”, in in a cave, rykodisc / wea records, 2008.
ano iv
24.2.08
lxxxviii. a perseguição movida pelos demónios é uma perseguição que nos é interior. é também dentro de nós que, como os esperamos e vigiamos, os demónios nos esperam e vigiam. eles por eles e por nós, nós por nós e por eles, mais do que por cumplicidade ou por intimidade, por identidade, mesmo.
marah, “the demon of white sadness”, in if you didn’t laugh, you’d cry, yep roc records, 2005
10.2.08
lxxxvii. na carne mesma, assim como no espírito mesmo, acontece a possessão, a relação possível e única entre alguém e o seu demónio, que é uma relação mútua e recíproca tão cingida e íntegra quão são a identidade e o reflexo de cada um de nós. do que resulta o facto de a expressão «demónio meu» ser uma expressão tanto de compreensão quanto de amor próprio.
13ghosts, “oh my demon!”, in your window is burning, 13ghosts music, 2002.
27.1.08
lxxxvi. existe-se em cerco, o que significa que alguém, qualquer quem, é e orienta-se pelos reflexos e pelos projectos que consegue com e contra o cerco em que existe. porém, sob a condição de tal existência, subsiste uma interrogação. em identidade, o que distingue alguém do demónio em que participa? não é a sua dúvida, não é a sua promessa, não é a sua carne. porque pelas dúvida, promessa e carne mesmas alguém é quem é e é também o demónio que é.
bonnie ‘prince’ billy, “am i demon”, in ask forgiveness, domino records, 2007.
13.1.08
lxxxv. a vida, nomeadamente o seu sentido, resulta do combate permanente com os demónios, todos os demónios. dos que nos levam, aprendemos a orientação. dos que nos falham, conseguimos a duração. dos outros, se não somos o regresso, somos a sua confirmação.
the sugarcubes, “delicious demon”, in life’s too good, one little indian records, 1988.
30.12.07
lxxxiv. e se, súbito, um espectro aproximar-se e relatar o que irá acontecer, desfazendo o futuro num enunciado de antecipação, o que poderá ser diferente? a história ainda continuará a ter o final feliz prometido?
regina spektor, “ghost of corporate future”, in soviet kitsch, sire records, 2004.
16.12.07
lxxxiii. se os fantasmas vão?, não, os fantasmas não vão. como qualquer outro modo de monstro, o seu movimento típico é a aproximação, a vinda. é por isso que sob o domínio fantasmagórico não há hipótese de redenção ou remorso. fugir é ir ao encontro dos fantasmas.
man man, “banana ghost”, in six demon bag, ace fu records, 2006.
2.12.07
lxxxii. quantas histórias?, quantas?, são necessárias até tornar-se evidente que cada fantasma é inquilino de uma alma e não um espectro ambulante, sem domicílio. quantas histórias?, quantas?, são necessárias até confirmar-se que, pela demora, fantasma e alma fundem-se, gerando uma entidade única, um prodígio, esquivo - como todos os prodígios -, simultaneamente garantia e engano. quantas histórias?, quantas?, são necessárias até sermos capazes de nos reconhecer pelo flanco fantasmagórico - que vai da condição vaga à disposição oculta -, flanco a que não podemos renunciar sem renunciarmos a nós próprios, à carne e ao espírito que, por junto, somos graciosa e desgraçadamente.
neutral milk hotel, “ghost”, in in the aeroplane over the sea, merge records, 1998.
18.11.07
lxxxi. sob o domínio e a soberania das criaturas dos outros mundos, o caso constitui uma equação simples, de grau menor. o medo que os fantasmas suscitam é um temor cerebral, apenas e só.
the cure, “fear of ghosts”, in love song, elektra records / wea, 1991.
4.11.07
lxxx. uma das incógnitas da condição do desassossego é o local de origem dos monstros. de onde promanam?, de uma posição interior? ou de uma posição exterior? o apuramento de tal posição é determinante para a defesa porque, desconhecendo-se o alojamento original dos monstros, não há como saber-se como se deslocam, se de dentro para fora, se de fora para dentro do corpo, o meu, o teu, o dela, o dele, o nosso, o corpo comum, o corpo que os monstros habitam.
band of horses, “monsters”, in everything all the time, sub pop records, 2006.
21.10.07
lxxix. puros de pureza, como anjos, os monstros vêm-nos ao corpo, dobrando a face como janus, fazendo o amargo e o doce que nos acontecem na boca, concedendo a loucura e a razão de que somos capazes.
modest mouse, “3 inch horses, two faced monsters”, in everywhere and his nasty parlour tricks, sony music, 2001.
14.10.07
lxxviii. os monstros escondem-se onde os guardamos, em locais íntimo e recônditos, a cave, o sótão, a gaveta da mesa de cabeceira, debaixo da cama, o guarda-roupa, a noite, a madrugada, mas regressam sempre pela mesma via, o nosso corpo, o corpo em que necessariamente são.
gnarls barkley, “the boogie monster”, in st. elsewhere, downtown records, 2006.
ao programa centésimo.
7.10.07
lxxvii. porque são nossos amigos, acompanhemos os monstros na sua procissão.
bobby ‘boris’ pickett, “monster mash”, in monster mash, polygram records, 1962.
30.9.07
lxxvi. as palavras precipitam-se para o mal com as mesmas frequência e cadência com que se precipitam para o bem. mas há uma regra da ordem que preecreve o silêncio sobre o mal. porquê?, porque os legisladores julgam que falar sobre o mal é despertar os monstros adormecidos sobre a pele e que emprestam um alcance maior às mãos. equívoco, claro. os monstros, mesmo os monstros do mal, não dormem. alguns até pastam nos silêncios.
wayne shorter, “speak no evil”, in speak no evil, blue note records, 1965.
22.7.07
lxxi. face a face é como perguntamos pelos monstros, pelos que assustam e pelos outros, os estranhos. porém o susto e a estranheza dissolvem-se quando abrimos os olhos e encaramos o reflexo que nos é devolvido. porque cada um percebe que, ao fugir de si, encontra-se no destino. o que significa que somos sem saída de nós.
david bowie, “scary monsters (and super creeps)”, in scary monsters (and super creeps), rca records, 1980.
8.7.07
lxx. começa por ser uma contaminação confortável, acaba por ser um sopro agitado. e se a fuga que perseguimos é um monstro mais do que em casa, no corpo, alojado aí, que destino escolher, a culpa? ou o remorso?
yeah yeah yeahs, “black tongue”, in fever to tell, interscope records, 2003.
27.5.07
lxvii. somo-nos estranhos. por isso olhamos para nós em busca da própria fronteira, do limite, o mesmo que nós, a partir do qual somos capazes de nos (re)conhecer. quem somos?, que rosto?, que mãos?, que pés?, que corpo inteiro?... e sucedem-se as interrogações diante do espectro com que nos controntamos por dentro e fora de nós, como se fôssemos simultaneamente o fantasma, a voz e a lei que, porque somos, nos faz a identidade.
patrick wolf, “ghost song”, in wind in the wires, tomlab, 2005.
29.4.07
lxv. à noite, rente à hora dos sonhos, os homens e os lobos são mais generosos e estranhos consigo, como se o seu sangue lunar fosse mais diluído e a sua identidade solar fosse outra, híbrida, alma e corpo de monstro e vice-versa.
cocorosie, “werewolf”, in the adventures of ghosthorse and stillborn, , 2007.
18.3.07
lxi. a condição do tempo fere, o tempo mata. sob a sua vertigem há quem olhe para o corpo, testemunhe-o, e tente as suas veias como portal de evasão. é por essa manobra que, em muitas circunstâncias, damos guarida ao demónio, fazendo-o colónia do nosso corpo, porque, com ele, comungamos alma e carne, que são uma e uma só. e, com pose e transe, caímos e quedamo-nos soberanos.
tv on the radio, “let the devil in”, in return to cookie mountain, 4ad, 2006.
11.3.07
lx. quando cresce a noite, o tempo parece diluir-se e demorar a solidão dos insones e saídos à rua. ao mesmo tempo que os vizinhos dormem, um espectro preenche as sombras com negro navajo, marcando o regime severo dos acordados. os monstros não dormem, nunca dormem.
the mountain goats, “new monster avenue”, in get lonely, 4ad, 2006.
4.3.07
lix. na cidade existia um monstro e uma dúvida. entre os seus habitantes, quem era esse monstro?, se todos, por o poderem ser, o eram.
soul coughin, “monster man”, in el oso, warner brothers / wea records, 1998.
ano iii
2.7.06
xlviii. há hipóteses, como o esquecimento ou a recusa, que não estão disponíveis no intervalo escasso entre nós e os monstros. aliás, como consequência da intimidade por aí constituída, os monstros são a sinestesia em nós, simultaneamente a traquilidade e a inquietude.
annie ross e gerry mulligan, “between the devil and the deep blue sea”, in annie ross sings a song with mulligan, world pacific, 1958.
25.6.06
xlvii. vamos envelhecendo. com o passar do tempo, deixamos de saber o paradeiro dos monstros, inclusive o maior deles, o monstro do apelo derradeiro. envelhecemos. deixamos de saber os monstros, deixamos de saber os seus filhos também.
black rebel motorcycle club, “devil’s waitin’”, in howl, red int/red ink, 2005.
18.6.06
xlvi. se protegidos pela distância, porque nos habitam fundo, não é possível aferir com rigor a dimensão dos fantasmas.
deus, “little ghost” in my sister = my clock, island records, 1995.
11.6.06
xlv. fingidos, entre a brasa e a brisa, os fantasmas correm-nos pelos sentidos, como se fossem anjos da cidade dos nossos sonhos, pacíficos. mas não são. e o tempo, tanto pelo contacto quanto pelo sobressalto, demora a fazer-nos perceber esse facto. daí que seja já tarde quando ficamos cientes que as nossas mãos levam-nos pela cidadela dos nossos pesadelos, não pela cidade dos nossos sonhos.
tarnation, “like a ghost”, in mirador, warner brothers / wea, 1997.
4.6.06
xliv. crescemos sob a tutela de monstros invisíveis, os fantasmas. no entanto, momentos há em que eles adquirem uma evidência impressionante. nesse estado e nessa condição, porque em domínio e presença, manifestam-se de modo soberano, tentanto semear em nós o medo. quase nada os resolve ou afasta. por isso tenta-se o bourbon e insiste-se, por ser o único meio imediato e doméstico de lavar os fantasmas dos nossos sentidos.
gomez, “chasing ghosts with alcohol”, in how we operate, red int/red ink, 2006.
28.5.06
xliii. ocasionalmente existe-nos dentro uma sombra que, como um sopro suspenso em perseguição, ocupa todo o espaço e transforma o que remanesce em penumbra. essa sombra altera-nos os regimes da fome e do sono, afecta-nos todos os sentidos, sobretudo a visão. porque essa sombra é o monstro, em fantasma, a que, à falta de rótulo mais exacto, se chama amor.
the white stripes, “little ghost”, in get behind me satan, xl, 2005.
21.5.06
xlii. às vezes são os anjos, monstros alados, que partem o céu, construindo a diferença no território, deixando de um lado, o superior, o empíreo e do outro lado, o inferior, o fosso de enxofre. e é sobre essas margens, sem as encontrar, que, depois, troa a voz dos anjos, expressão da sua condenação, da sua solidariedade, da sua partida, da sua queda.
the vetiver, “angels’ share”, in vetiver, dicristina, 2004.
14.5.06
xli. os monstros entram em nossa casa, o nosso corpo, pela infância. aí jogam a sua condição trágica, alterando-nos os sonhos, até, pelo cansaço, se embalarem e adormecerem, devolvendo-nos então o sono que, antes, pelo assombro, nos acordaram.
eric herman & the invisible band, “there’s a monster in my house”, in the kid in the mirror, butter-dog artist, 2003.
23.4.06
xxxix. não obstante o esperanto que vestem na sua identidade e nos seus modos, os monstros sofrem as consequências de babel, folheiam dicionários, traduzem o espanto, cotejam o medo, murmuram, falam, clamam e riem em todas as línguas.
andrew bird, “spanish for monsters”, in fingerlings 2, grimsey, 2004.
16.4.06
xxxviii. os monstros são criaturas de susto, não são para abraçar ou colher nos braços como se fossem um animal de estimação. mas há monstros, monstros pequenos, monstrinhos, que, em segredo, choram e rogam a alguém superior, à maior e mais divina das monstruosidades ou ao seu filho unigénito, que os livre da misericórdia alheia e da simpatia com que, porque falhados, são olhados pelos outros.
morrissey, “november spawned a monster”, in bona drag, reprise / wea, 1990.
2.4.06
xxxvii. há um mar onde os monstros comem o silêncio.
the beatles, “sea of monsters”, in yellow submarine, capitol, 1969.
26.3.06
xxxvi. num modo diferente de ser anjo da guarda, há monstros, ocultos, que nos vigiam e confortam com a sua ausência, deixando apenas presente o demónio que somos, sem nos permitir saber o seu paradeiro.
those legendary shack shakers, “where’s the devil... when we need him?”, in believe, yep roc records, 2004.
19.3.06
xxxv. às vezes somos incrédulos. por isso, entramos na casa do diabo e aguardamos a sua revelação. a espera, porém, demora, eterniza-se. porque ele apenas se mostra quando (nos) olhamos (a)o espelho.
sufjan stevens, “in the devil’s territory”, in seven swans, sounds familyre, 2004.
5.3.06
xxxiv. há monstros que são criaturas bucólicas. são os que jogam os ventos, os que jogam os enganos e nos ensinam a maior das suas competências: o incêndio e, antes, o testemunho desde o rastilho.
devendra banhart, “cosmos and demos”, in oh me, oh my... the way the day goes by the sun is setting dogs are dreaming lovesongs of the christmas spirit, young god records, 2002.
19.2.06
xxxiii. os monstros, mesmo os que acontecem demónio, têm os seus dias de recolha e têm os seus dias de caça. são os nossos dias ao contrário.
laurie anderson, “the day the devil”, in strange angels, warner brothers / wea, 1989.
12.2.06
xxxii. quando acordam, o primeiro sentido que os monstros experimentam é o tacto. de imediato tocam-se para, depois, pela perseguição, nos alcançarem e tocarem melhor.
lydia lunch, “touch my evil”, in smoke in the shadows, atavistic records, 2004.
ano ii
5.2.06
xxxi. os monstros, todos os monstros, são um dispositivo de espanto. albergam-se tanto nos corpos dormentes quanto nos corpos despertos, conquistam-nos e emprestam-lhes fulgor. e, assim, por constituírem uma diferença para a qual apenas há incredulidade, os monstros são também o horto da loucura que vivifica e liberta os corpos da sua condição.
poesie noire, “gardens of insanity”, in tales of doom, 1987.
1.1.06
xxx. os anjos são uma espécie em vertigem, espectros de manobras aladas, como os falcões. se sobem é porque têm asas que os conduzem à luz. se jazem é porque alguém, autoridade maior, os empurrou para o chão. mas, seja em domicílio sideral, seja em domicílio telúrico, os anjos são sempre monstros, monstros que voam e caem dentro de nós. ou seja, são monstros e estrelas d’alba.
current 93, “angel”, in swastikas for noddy, 1987.
25.12.05
xxix. em cada criança há um monstro que se revela pela nascença e depois.
radiohead, “i am a wicked child”, in com lag (2plus2isfive), 2004.
18.12.05
xxviii. às vezes, supremos, os monstros, em demónio, são-nos na alma.
fun’da’mental, “demonised soul (my head bus on a hard surface but i could never hurt me)”, in erotic terrorism, 1998.
11.12.05
xxvii. há monstros, em demónio, que nos acontecem no coração e são navegados no nosso sangue.
pixies, “evil hearted you”, in planet of sound, 1991.
4.12.05
xxvi. e ainda antes dos sete selos quebrados, caíram as trevas sobre os gestos, o véu nocturno, domínio e ceptro preferencial dos monstros.
cocorosie, “armageddon”, in noah’s ark, 2005.
20.11.05
xxv. nas estórias de belas e monstros, o monstro é sempre o amor, o único demónio a que se finge conseguir sobreviver.
antony & the johnsons, “frankenstein”, in hope there’s someone, 2005.
13.11.05
xxiv. o diabo, um dos maiores dos monstros, se existisse numa qualquer encruzilhada, tocaria guitarra e teria outro nome.
the jesus and mary chain, “bo diddley is jesus”, in barbed wire kisses, 1988.
30.10.05
xxiii. um dia acorda-se com a sensação de game over. não é tarde, é já depois. depois de um monstro, íntimo veneno, ter caminhado demoradamente pelos domínios do corpo e nele se ter alojado para não mais ser resgatado.
pj harvey, “the slow drug”, in uh huh her, 2004.
23.10.05
xxii. a vida, como autenticamente é, acontece à noite, todas as noites, quando os anjos acordados, monstros solenes, com o bater frenético das suas asas, desenham a temperatura que faz arrefecer a cidade.
interpol, “say hello to the angels”, in turn on the bright lights, 2002.
2.10.05
xxi. na véspera do fim do mundo, vêem-se espectros incandescentes a ensaiar coreografias de incêndio. é o último sinal de simpatia dos monstros. depois é a febre.
belle chase hotel, “paganini’s fire”, in la toilette des étoiles, 2000.
31.7.05
xx. o paraíso é uma estância apetecível. mas, como nos ensinam as graves vozes dos monstros em oração, o destino de tudo, de todas as coisas e de todas as criaturas, é a sua origem, o lugar dos nove círculos, o inferno.
tom waits, “everything goes to hell”, in blood money, 2002.
24.7.05
xix. todos nós somos dois, o que somos e o que não somos. para além disso, no que somos, somos a cápsula simultânea do bem e do mal. é por isso que por vezes nos assoma o desejo de termos um irmão gémeo que seja o nosso lado mau, o monstro que nos habita e que não conseguimos honradamente ser.
magnetic fields, “i wish i had an evil twin”, in i, 2004.
17.7.05
xviii. às vezes, o diabo é diabo em figura de gente, disfarçado entre nós, um monstro bonito. charmoso, ele chama-nos e nós,
the smiths, “handsome devil”, in hatful of hollow, 1984.
10.7.05
xvii. sem aviso, desce sobre nós uma espécie de benção ao contrário. como consequência, o diabo carrega-nos sobre as suas costas e, aos saltos e aos pinotes, leva-nos pelo recreio da vida. é quando, sem disso termos consciência, somos levados para um dos mundos dos monstros. este mundo chamado inferno.
nick cave & the bad seeds, “up jumped the devil”, in tender prey, 1987.
3.7.05
xvi. começou a guerra dos mundos. uma mão cheia de monstros entrou neste mundo pela televisão. eram cinco pequenos monstros, exactamente, todos diferentes, ainda assim todos monstros. e tinham um único plano para a ofensiva, socializarem com os humanos-monstro. serem amigos.
iggy pop, “monster men”, in monster men, 1997.
5.6.05
xv. um dia, sem avisar, chegou, caído, caído com estilo, um anjo negro. vinha do mundo dos monstros e procurava alguém. alguém que quisesse ser seu amigo e o levasse às compras. alguém que tivesse um cartão de crédito. pois a amizade, mesmo a amizade aos monstros, tem um preço.
laurie anderson, “dark angel”, in life on a string, 2001.
2005/2022 - constantino corbain (alguém por © sérgio faria).